As histórias do filho do Seu
Badico nos idos de 1950, a cidadezinha de Paraíba do Sul, era um verdadeiro
paraíso. O Rio Paraíba era um riozão, a molecada se esbaldava nas praias,
tomando banho quase todo dia. O que dava o maior charme a cidade era a estação
ferroviária, os trens da bitola larga e bitola estreita partindo das estações
de Barão de Mauá e Central do Brasil no Rio de Janeiro, com os trens noturnos
partindo de Barão de Mauá para a Zona da Mata mineira e da Central do Brasil
para Belo Horizonte; naquela época os trens eram a principal meio de transporte
de passageiros, tendo o S2 e S1 em horários alternados, os trens eram também o
principal meio de transporte de cargas como por exemplo minério de ferro.
Eu morava em uma pracinha chamada
Lava Pés de uma tinha a Igreja de Santana do outro a Mansão do Dr. Sabino
Souto, moldurando a praça tinha uma mangueira, a árvore era tão grande que a
molecada brincava de pique nos seus galhos, quando na hora de queimada o garoto
tinha que pular do galho que estivesse, consequência, de vez em quando aparecia
um com o pé engessado.
Eu tinha um compromisso todo o
dia, ali pelas seis horas da tarde, tomava meu banho, calçava meu tamanquinho
de madeira todo gasto, dava pra sentir as pedrinhas da calçada e ia na padaria
do Sr. Amador Rios comprar pão, as moças que me atendiam me agarravam e me
enchiam de beijos, eu voltava para casa com saquinho de pão todo feliz, me
achando o tal.
Estudava no grupo escolar Andrade
Figueira, entra burro sai na cocheira, um colégio importante, tinha uma
quantidade 600 alunos, se não me engano. A diretora Sr.ª Glória Berthone, gente
muito fina, de boas lembranças; a zeladora do colégio Dona Dorvalina, que
servia na merenda como de leite para os alunos, quando chegava minha vez, me
deixava tomar quantos copos quisesse, pois eu, poucas vezes aparecia, ficava na
bagunça com meus colegas.
Estudei, fiz todo o primário e o
admissão, recebendo os diplomas. Tínhamos um time de pelada, lembro muito dos
meus amigos de futebol, José e Chico Farias, o Zé Mão de Onça era o goleiro,
outros mais como Helinho, Renato e José Figueiredo. O José Farias, hoje é
auditor fiscal numa dessas empresas de auditoria.
Voltando a falar da cidade, na
Rua das Flores existia o ginásio dirigido pelo professor Gonçalves, onde muita
gente boa se formou; outra rua importante era a Rua das Palhas, uma rua muito
grande, onde existiam muitas mansões, inclusive dos meus amigos Penas Ribas,
era uma rua muito bonita margeada de um lado pela ferrovia bitola estreita, de
outro uma carreira grande de árvores e eucaliptos. O escritor Giusepe Guiaroni,
uma figura importante, não me recordo se morava nessa rua, autor de um poema
muito bonito de nome “O Beijo “, hoje acho que ele é funcionário da Rede Globo.
Ao falar das famílias importantes,
não poderia deixar de citar os Visconti, Dona Nair, minha professora; dos D’Angelos,
do Nelon D’Angela, grande zagueiro do Riachuelo e da Katia, da área de cultura,
artes inclusive cinema. Ao falar de cultura, tenho que falar de outra que é
muito importante, a da terra; a Fazenda Itiaca do saudoso amigo Alberto Paes.
Vamos falar agora do famoso
Jardim Velho, ocupava um quarteirão inteiro, com suas árvores centenárias, como
Jamelão, Oiti e outras, possuía diversas estátuas de mármore e um coreto que
tão grande, que sua parte de baixo era um depósito de material da prefeitura,
em uma de suas laterais o limite era somente a rua, em seguida a praia que era paraíso
da criançada e dos marmanjos que tomavam banho em suas farras aos finais de
semana. Dentro do jardim existia um caramanchão, com um banco todo emoldurado
com motivos da época, dos seus quatro lados só existia visão na parte da
frente, tinha uma menina moça que nas tardes de sexta e sábado, tomava seu
banho e vinha somente com um vestido sem sutiã e calcinha, eu e ela namorávamos
ali à vontade, o “ bicho pegava”, até que uma figura indiscreta descobriu e
acabou com a nossa farra; notadamente o velho jardim era o paraíso dos
namorados.
A cidade tem uma ponte muito bonita, é larga,
com mão e contra mão, tendo espaço nas laterais para pedestres, ligando a Fonte
Salutaris pelo lado esquerdo e aos bairros Santo Antonio da Encruzilhada,
Werneck e outros, pelo lado direito; rio acima, distante mais ou menos 1 km,
tem a Ponte Preta, muito bonita e extensa, pertenceu à extinta ferrovia bitola
estreita.
A cidade vivia muito em função do
rio, existiam muitos peixes de várias espécies, tendo assim muitos pescadores,
que possuíam vários barcos, sendo quase uma colônia. Por falar em pescadores,
as histórias eram muitas, a colônia dos mentirosos. Existiam na cidade dois
bares o Simpatia e o 7 de Setembro; no Simpatia do meu amigo Paraguai, todas as
segundas era fixado num espelho na parede do bar, um documento datilografado
com a seleção dos mentirosos, inclusive com técnico e massagista. Havia também
uma figura cognominada amigo da onça, baixinho com seu chapeuzinho preto, de
terno e gravata, que atiçado pela galera despejava seu tremendo repertório de
mentiras; outra figura que a turma gostava, na base da gozação, de incentivar,
Sr. Ariolário, guarda chaves da rede ferroviária, cargo que exercia como
modesto funcionário da rede; sua pretensão era se candidatar a vereador no município,
com quase nenhuma possibilidade, a galera dos atiçadores o convidou a criar um
partido, o partido que como ele chamava “
Dos que não tem Boi”, com a sigla PQB, a partir dessa situação foi oficializado
hipoteticamente candidato, atiçado pela
galera, o homem partiu para a campanha, em um dia de sábado a tardinha na praça
da rodoviária, ele subiu no coreto e começou a discursar: “ Paraibanos e
Paraibensas! Paraíba do Sul é uma vaca leiteira que há mais de cinquenta da leite
e ninguém sabe pra onde vai! Vou mandar capinar toda a beira do rio para que as
mulheres que não fazem nada possam pescar! O candidato da oposição, Sr. Cleofás,
vive dizendo por aí, que enquanto os ricos dormem em lençóis limpo e brancas
nuvens, o pobre dorme em cama de pau duro.” No pretenso comício a galera em bom
numero em volta do coreto, se deliciava vibrando com os gritos: “Ariolário!
Ariolário!” , tudo não passou de um tremendo blefe, que a galera aplicou, Seu
Ariolário voltou acabrunhado para a função de guarda chave.
Falando da cidade, não posso esquecer
o Sr. Manoel Onófrio Rodrigues, homem honrado, acima de qualquer suspeita, fundador
do Laticínio Emboaba, onde trabalhei por determinado tempo. Eu tinha quatro
amigos de fé, que compartilhávamos de quase todos os eventos da cidade; Agnaldo
monitorava casamentos, festas regionais, exposições e outros; existia um
taxista, o famoso Calhorda, que nos atendia sempre que saíamos. Certa vez,
fomos a uma festa no distrito de Santa Rita, na igreja de mesmo nome, a caminho
para a festa o Beto disse: “ O ultimo a arranjar uma namorada, paga o taxi de
volta!” Quando o taxi começou a parar, saltei correndo, logo em seguida dei de
cara com um grupinho de quatro meninas, uma das quatro era uma escurinha
bonitinha, já fui logo jogando o braço pro cima do seu ombro e dizendo: “ Princesa!
Voce é a garota mais linda da festa!” , no susto ela respondeu: “ Embruião!
Embruião!”, as outras que não eram da cor, na gozação: “ Geiza, você esta com
essa bola toda! Com namorado novo e não conta pra gente!?” , moral da história,
quem pagou o taxi de volta foi o próprio Beto.
Agnaldo era metido a entender de
mulher, dizia que a mulher ama e odeia a palavra simplesmente como segue, “ Ama
enquanto dura e odeia enquanto duro!”. Era uma sexta feira por volta do meio
dia, quando recebi uma ligação do Agnaldo. “ Esta marcado para amanhã, sábado, já
certo com a turma o baile em Santo Antônio da Encruzilhada, o Calhorda já esta
avisado.” Resultado, sábado as dez na noite, chegamos a praça em frente ao
clube, muita gente aglomerada, enquanto Agnaldo parlamentava com seu papo mais
escorregadio que limo verde em pedra encantada, o homem liberou nossa entrada;
o salão cheio, musica animada, muita mulher bonita, todos nós arruamos pares
para dançar; lá pelas tantas uma figura sobe no palco, mandou a musica parar e
determinava:” Vou apagar as luzes! As pessoas que não foram convidadas, por
favor retirem-se!” O Agnaldo esbaforido apareceu: “ Vamos sair! Vamos sair!”,
resultado: final de noite: maior mico e o Agnaldo quase apanhou.
Estou no escritório trabalhando,
todo o telefone, quem é figura? “ Escuta, já acertei com o Beto, Zeca e Elmo, o
Calhorda já esta avisado, saída dez horas lá na praça.” Perguntei: “ Mas do que
esta falando?” “ Casamento da filha do Sr. Ferreira, voce topa?!” , “ Voce
acertou tudo, agora o jeito é encarar! Onde é o casório?” “ No sítio do Sr.
Ferreira, perto de Matosinho”, no dia do casório pegamos o taxi na praça, no
horário combinado e seguimos pelas ruas até que acabou a iluminação, pegamos
uma estrada de terra, cheia de buracos, rodamos, rodamos, noite escura, a lua
compensava dando um pouco de claridade, Beto reclamou:” Estamos perdidos!”, de
repente ouvimos um som de sanfona, parecia vindo de longe, paramos o carro, estávamos
em uma parte alta da estrada, olhamos para baixo e vimos umas luzinhas acesas,
retornamos ao carro, seguindo a descida do morro, chegamos a um local, cheio de
árvores muito grandes que formavam um bosque muito bonito, lotado de carros,
enfim chegamos ao casamento no sítio do Sr. Ferreira.
A festa acontecia na sede no
sítio, uma casa azul e branca, a parte do eitão foi coberta com lona de
caminhão formando um grande espaço coberto, logo que chegamos uma pessoa nos
chamou a passarmos por um portão de entrada, um senhor com garrafão servia uma
dose de cachaça a cada pessoa que entrava, cada um pegava seu copo, festa
dominada, conjunto do Sr. Zuza com sua sanfona incentivava todo mundo à dançar.
Estamos os quatro em um canto
observando o movimento dos pares dançantes, eis que de repente aparece a noiva
de véu e grinalda dançando com uma mulher, enquanto as duas davam voltas pelo
salão, o Beto e o Elmo, começaram a atiçar “ Voce é macho mesmo!? Vai lá tira a
noiva pra dançar!”, continuaram repetindo “ Vai lá !!!”, tomei coragem fui ao
meio do salão, quando as duas chegaram próximas a mim, parti para perto e sai com
essa: “ Noiva, quer me dar o prazer desta contradança!?” , saímos rodopiando
pelo salão, de repente num tremendo burburinho
apareceram o noive e seus amigos, tremenda correria, duas amigas correram e a
tiraram do salão, os amigos do noivo partiram para cima de mim, alguém falou: “
Dá o fora! Você vai apanhar !”, logo em seguido um senhor pega no meu braço, me
leva num canto e diz: “ Dançar com noiva não!”, e retrucou: “ Eu conheço você e
seus amigos, sou o pai da noiva, sei que vocês são gente boa” e em um tom
alegre disse, “ Vão ali para a copa, temos comes e bebes à vontade,
divirtam-se!” mas alertou: “ Você dançar com a noiva, nem pensar!!”
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