segunda-feira, 5 de março de 2012

Alto Caparaó


Nos idos de mil novecentos e não sei quanto, eu morava na fazenda do meu avô Agenor Pinheiro, trabalhava de segunda a sexta feira, era pau para toda obra, trabalhando na lavoura e também na contabilidade escriturando o que entrava e saia de dinheiro e conta bancária. Entretanto eu tinha as minhas folgas que também não sou de ferro.

Aos sábados ia para Jequitibá para casa da tia Felismina, mas o motivo maior era paquerar as alunas do internato do colégio presbiteriano que faziam a alegria da praça nas tardes de sábado e domingo. 

Acontece que em um final de semana, segunda feira bonita, bonita, dormi mais que a cama e perdi o bus que saia as sete horas da matina e outra condução somente no mesmo horário no dia seguinte. Moral da história, encarar a pé quase 20 quilômetros de estrada de chão, o que fiz logo em seguida. Na saída da pequena cidade tinha uma venda localizada em um casarão da época com uma escada de pedra, ficando bem mais alto que a rua, entrando na venda para comprar dois pães e um pouco mortadela para fazer um sanduiche. Enquanto o atendente pegava aquela bexiga bonita de mortadela cortando em cima do balcão em um papel pardo e me servia uma fatia, lá do fundo do balcão veio um cheiro forte de cachaça que era servido a uma figura bem característica da região, com seu chapeuzinho preto levantou o copo e disse:

- Vai dá um tapa néla?

Não resistindo segui para o fundo do balcão, a pessoa que atendia veio logo com um copo quase cheio do precioso liquido, pedi para reduzir para dois dedos, peguei o copo e beberiquei logo em seguida. Acontece que tinha que pegar a estrada, o que fiz logo em seguida, peguei a sacola com o pão e a mortadela, desci a escada da venda pegando o caminho em direção a Caparaó.

Quando comecei definitivamente a caminhada notei que tinha companhia, o caipira do chapéu preto, fumando seu cigarrinho de palha começou  logo a conversar envolto na fumaça do cigarro, olhando bem para mim soltou essa:

-A fonosomia eu num esqueço nunca.

Fiquei pensando cá com os meus botões, como se escreve esse negócio, com PH de farmácia ou com F?

Ele muito conversante continuou o papo:

- Enquanto a mula tivé mio na caparonga, nóis chega lá. To levano dois emborná com compra que fiz na rua, uma tem quitanda pros cambarucengos, no otro tem 3 metro de vuar, pra a desdita, enquanto o burziga guenta nóis ta andandu. Ta cheganu nus Tavares, quando vejo as bela fico de zói trocado, vamu subino, ali mora seu Mió.

E seguiu meu novo amigo falante conversando.

- Na casa ondo moro tem uns pé de fruta, os passarin tão comendo tudo. Tenho um vizinho, Seu Perera, que home feio pra daná, falei: Seu Perera vamo la na rua, no retratista, tira uns retrato, comemo umas quitanda e tomamo um gole. Fumo tira os retrato, falei com retratista, quero dois do meu amigo bem grande, um dei pra ele, outro fico comigo, botei nos pé de fruta pra espantar os passarim.

Perguntei:

- Adiantou alguma coisa?

- Nada os passarim costumaru cum ele!

E seguia o matuto na prosa.

- Fui trabaiá levantei cinco hora, inda tava escuro, peguei no eito, garrei no rabo da uiara inté o dia escurece, pra ganha 3 conto no dia. Vortei pra casa já de noitinha, fui na bica tomei um banho, tava armandu chuva, relampejava muito, quando comecei escutar um bicho rocando no mato perto de casa, eu tenho uma flobé e uma papo amarelo, peguei a papo amarelo, subi lá, o bicho tava no meio das foia, fazenu muito barui, centei fogo no bicho, ficou pindurado. Belengô... belengô... e num caiu!

- E você? Foi pegar o bicho?

- Eu não! Fiquei com medo.

- Você tem medo!?

- Quem num tem!? Quem tem, tem medo, uai!

- Ocê conhece Dona Buluta? Ela mora ali. Bem, aqui nós vai aparta. Bem ali começa o caminho da minha casa, os cambarucengo vieru me encontra.

Chegando os meninos, ele disse:

- Minino, sóda o home!

Nisso os garotos estenderam a mão pra me cumprimentar. Despedindo ele me convida:

- Vai lá no Pito Aceso, pra comê um péla égua!

Obs: Professor Pasquale gostaria de seu parecer para a matéria em foco.  

Atualmente essa região é muito rica, grande produtora de café e de grande potencial turístico. Jequitibá, Caparaó, Alto Caparaó, Manhumirim, Manhuassu e outras localidades. Região de colonização europeia realizada por famílias como: Agenor Pinheiro, Valérios, Satles, César, Werner, Breder, Heringes, Moita e Tavares. Meu amigo Nelson César,  não tenho certeza mas acho que o cantor Silvio César também é da Região.



Agur